Desatentos e Hiperativos: há quanto tempo eles existem?

Daniela Ceron-Litvoc

Quem foi “Philip, o inquieto"?

Em 1846, o psiquiatra Heinrich Hoffmann, pai de um filho de 3 anos e insatisfeito com os livros voltados para as crianças, escreveu e ilustrou um livro infantil com histórias de comportamentos inadequados comuns na infância, (Der Struwwelpeter, 1846). Das 10 histórias do livro, uma era sobre o “Philip, o inquieto”, a criança sempre agitada e que por isso estraga o jantar ao derrubar, acidentalmente, todos os objetos da mesa (veja a ilustração ao lado).

Outra história do mesmo livro é sobre "Johnny, que olha para o céu”, o garoto que vive com a cabeça na lua, não olha por onde pisa e cai em um lago no caminho da escola (veja a ilustração abaixo).

Seriam Philip e Johnny diagnosticados com THDA hoje em dia?

Ninguém deve receber um diagnóstico por uma vez que derrubou o jantar ou caiu no lago. Mas, se esses comportamentos fossem recorrente e os prejudicassem, por que não?

Por que falamos de desatenção hoje e não falávamos disso há 50 anos atrás? O primeiro livro que descreveu alterações psíquicas nas crianças e adolescentes foi publicado em 1798, por um inglês chamado Crichton. No seu livro, encontramos uma descrição muito parecida com o que chamamos hoje em dia de Transtorno de Hiperatividade e Déficit de Atenção (THDA): “Quando uma criança nasce com a incapacidade se sustentar um grau de constância na atenção para qualquer objeto, esse quadro fica evidente desde os primeiros períodos da vida e provoca prejuízos principalmente na capacidade de se manter assíduo em qualquer tópico da educação.”

O olhar para o desenvolvimento infantil e suas particularidades é recente, muito recente. Até pouco tempo atrás, pouco ou nada se sabia sobre o tema. O trabalho de Crichton foi uma excessão, o padrão era o olhar para o psiquismo dos adultos, não das crianças.

Data de pouco mais de um século apenas os primeiros trabalhos mais consistentes e o início do interesse pelo desenvolvimento. Antes disso, pouco se sabia e quase se olhava para o crescimento das crianças. Elas cresciam, estudavam, viravam adultos. Esse processo era considerado natural e digno de pouca preocupação.

Por que falamos tanto disso hoje em dia?

Conhecer melhor as etapas no desenvolvimento fez com que a ciência e a sociedade mudassem o ponto de vista sob esse processo. Passamos a valorizar progressivamente cada passo do desenvolvimento, observar sua fragilidade e consequências para a vida adulta.Passamos a nos preocupar mais.

Inventamos o diagnóstico de THDA?

É comum o questionamento de que a psiquiatria inventou uma série de problemas que não existiam antes. Afinal, até 10 anos atrás, ninguém nunca tinha ouvido falar em THDA.

Hoffmann escreveu um livro infantil de conteúdo moral, para ensinar o que não fazer, utilizando-se de comportamentos inadequados comuns na infância como exemplos. Descreveu duas das principais características do que é hoje em dia chamado de THDA. Assim como Crichton em 1798.

Pensar nisso, apesar de não dar respostas, é importante para pensar se THDA é um quadro “inventado"pela psiquiatria moderna. Ou se já existia desde sempre, mas ganhou nome e sobrenome com as mudanças atuais de cuidados com o desenvolvimento. E por esse motivo, passamos a reconhecer mais.

Sou agitado, inquieto. Sou desatento. Qual o problema?Nenhum. Pessoas são mais ou menos alguma coisa em algum ponto da vida.

O problema não é um comportamento, um sinal em si. O problema é: isso prejudica? isso é recorrente?Você tem controle sobre isso?

Ao receber o diagnóstico de THDA, está sendo dito que: a desatenção e ou a hiperatividade estão em níveis a ponto de causar prejuízo e que a pessoa, por mais que deseje, não tem controle sobre essas características.

E agora, o que fazer?

Existe remédio. Isso pode ajudar. Mas o mais importante não é decidir se deve ou não tomar uma medicação.

O que vai será determinante é aceitar, conviver com as características individuais, desenvolver estratégias para lidar com o fato de que a atenção é mais curta e mais volátil que dos outros. Sozinho é difícil. É um trabalho para a vida inteira. Mas o quanto antes, melhor a sua chance de controle. Por isso, é bom olhar para isso desde criança. Sem estigmas.

Saber como cada um funciona é a melhor forma de encontrar que mais combina com você.