Suicídio na adolescência:

como conversar em casa sobre isso com nossos filhos

Estamos todos preocupados com o aumento da incidência de suicídio. Espero que esse texto possa ajudar pais, adolescentes, crianças e famílias. 

Essa semana, após mais um trágico suicídio, áudios e vídeos estão circulando entre os adolescentes comentando o fato. Estamos assistindo o efeito de contaminação de um grupo após um (ou mais) suicídio. Chama-se efeito Werther (pico de ocorrência após o lançamento do romance de Goethe), ou seja, o grupo social diretamente envolvido na situação tem maior risco de novos episódios. Um novo problema é dimensionar o tamanho do grupo envolvido. Áudios e vídeos que circulam entre adolescentes, pelas mídias sociais, aumentando muito a dimensão de envolvidos. Se antes o grupo social era determinado com contato na vida real, agora ele se expande para os limites infinitos do mundo virtual.

Sabendo que nossos filhos estão expostos a esses conteúdos e que essa discussão é necessária, podemos pensar em como conversar sobre isso em casa. Não abrir espaço em casa para conversar sobre suicídios, não vai proteger os adolescentes. Eles compartilham muitas informações e esse tópico está aceso. Um caminho seria abrir espaço de conversa em casa, para que eles tenham outras referências além dos outros adolescentes com quem convivem. É exatamente na tentativa de ajudar a criar essa conversa na casa de cada um que escrevi esse texto. 


Quando a série: "13 reasons why" foi lançada, discutiu-se muito se os adolescentes deveriam ou não assisti-la. Se ela teria o impacto (e parece que teve) de aumentar a incidência de novos casos. Os pais queriam controlar o acesso ã série, os adolescente incrementavam formas de como acessá-la sem que os pais soubessem. A séria tinha cenas que são contraindicadas para trabalhar esse tipo de situação, como descrições gráficas de como a personagem comete suicídio. Os adolescentes eram expostos e não podiam contar em casa, pois viram escondido. No momento, a série ficou velha (como tudo nessa vida digital tem duração de impacto muito pequena), mas só cresceram as taxas de suicídio. 


Os adolescentes recebem e trocam muitas informações sobre suicídio entre si, principalmente a cada novo (e infelizmente cada vez mais frequente) caso, mas não conversam sobre isso em casa. Usando a série como guia de como conversar em casa, montei esse mini roteiro de como abordar o tema tão difícil em casa (PS: não precisa assistir a série não).



1. Primeiro passo: pense o quanto vale a pena proibições. Se eles realmente quiserem assistir, a nossa possibilidade de controle é bastante limitada frente à determinação e energia dos jovens. Cenas de violência são sempre melhor de se evitar, mas, na verdade, faz parte do pensamento da adolescência a curiosidade por vivências extremas. Por isso, eles assistirão esse tipo de cena nesse seriado e em muitos outros. Logo, aproveite que dessa vez você está sabendo o que ele está vendo e use a oportunidade para conversar.


2. Assista com ele. Não tudo (desculpem os adolescentes, mas não é uma obra prima. É a típica construção de história forçada do tipo: "isso só está acontecendo dessa forma porque o diretor queria contar essa história"). Mas, assista principalmente os dois últimos capítulos ao lado do seu filho.


3. Antes de começar um sermão sobre as 1000 razões para não se matar, pergunte qual a opinião do seu filho. Nós pais somos seres angustiados; queremos ensinar nossos queridos filhos, sempre com a expectativa de que eles tenham uma vida melhor, protegê-los de escolhas ruins. Na angústia de ensinar, às vezes, esquecemos de escutar. Escutar sem direcionar ajudará nos ajudará a perceber como eles forma impactados.


4. Direcione (depois de escutar), mas não comece pelo suicídio ou pelo estupro. Começar pela parte mais difícil só vai criar uma tendência de evitar a conversa.


5. O seriado tem um mote de pano de fundo bem positivo. Tenta discutir o papel do ambiente escolar, promovendo uma reflexão de como os adolescentes se tratam e como são tratados. Comece por esse bom tema (é fácil para seu filho falar, mesmo que esteja querendo evitar assuntos mais tensos, pois ele pode falar "dos outros"). Perguntas gerais como: Qual a sua impressão sobre como é o ambiente na sua escola? Qual é o empenho por parte da escola e por parte dos alunos em proporcionar um ambiente acolhedor, empático? Quem poderia ajudar? Existem perspectivas ou tentativas de melhoras? Existe um caminho pré-traçado? Essas respostas promoverão muitas oportunidades para os pais entenderem melhor o mundo dos filhos.


6. Outro tema importante que o seriado aborda é como identificar, em um grupo, indivíduos que estão sofrendo (ou deprimidos) e que precisariam de ajuda. Parte da "culpa" que um dos personagens descreve no seriado é não ter percebido que a pessoa ao seu lado estava sofrendo a ponto de pensar em se matar. Essa é uma discussão de horas: vale muito a reflexão de qual é o ponto de responsabilidade do grupo pelas ações individuais. Mas, sem entrar nesse tema mais polêmico (até que medida somos responsáveis por decisões individuais), abrir espaço para falar de angústias em uma faixa etária que é por definição angustiada é um ótimo movimento. Os pais descobrirão que seus filhos assim como a maioria dos seus colegas está cronicamente angustiado com a expectativa da entrada na vida adulta e que não sabem como lidar ou como abordar esses assuntos nem com os pares de idade nem com os adultos.


7. Tema ainda mais importante: a família. O seriado mostra pais amorosos, parceiros, participativos, com problemas financeiros sem impacto na qualidade da relação, mas, mesmo assim, eles não conversaram ou abordaram ou perceberam nada do que estava acontecendo. Incrível, não? Tendemos a pensar que esse tipo de coisa só acontece em famílias terríveis, desorganizadas, relapsas. Mas não é bem assim. O livro "Acertos de contas de uma mãe" de Sue Klebold fala sobre a experiência de uma mãe que se considerava presente e amorosa e um dia descobriu que seu filho estava deprimido e suicida há anos (e foi um dos responsáveis pela tragédia em Columbine).Infelizmente, essa não é uma situação rara. Pais e seus filhos adolescentes dividem o mesmo teto,mas têm perspectivas em relação à vida e a conceitos gerais tão diversos que conseguem compartilhar muito pouco. Por que a personagem que se mata nunca procurou os pais? Por que os pais, que eram presentes e cuidadosos, não são protagonistas nessa história? Como estão as relações familiares em cada casa? Seu filho te procuraria?


8. Uso de álcool. Pois é, todo mundo bebe o tempo todo. Eles bebem na escola. Antes de ir para a escola. Tem bebida embaixo da cama de uma delas. As festas são regadas a bebidas. Não existe adolescente que não beba? Existe, mas são a minoria segregada. A maioria bebe e se coloca em risco. De novo, não adiantará um sermão sobre os milhões de motivos para não beber e não se colocar em risco. Escute o seu filho. Como ele está se organizando com as duas pressões sociais opostas que recebe: os pais não querem que ele ingira bebida alcoólica, o seu grupo social considera bebida alcoólica como parte fundamental de qualquer atividade? Qual a posição dele? Como ele se protege?


Agora pontos importantes, mas mais difíceis. Se você conseguiu chegar até aqui na conversa com o seu filho, fique satisfeito. Afinal, vocês já iniciaram uma conversa que coloca os pais como referência para pedir ajuda e para escutar, mesmo que não concordem com as perspectivas de cada faixa etária. Isso abrirá muitas portas para futuras conversas e já é um fator de proteção importante para futuros problemas.


9. Iniciação da vida sexual: tema mais tenso ainda e, algumas vezes, constrangedor para ambos os lados. Infelizmente, sexo ainda é tabu. Mas o seriado ajuda a iniciar essa conversa, o que é bom.Todos (ou quase) os personagens transam, mas, também, todos se atrapalham. A verdade é que os adolescentes estão bem perdidos com isso. Quando começar? Como fazer? Evitar doenças sexualmente transmissíveis e gravidez é o primeiro ponto importante, mas tem muito mais do que isso. É muito difícil para todos, mas é principalmente difícil para um adolescente imaturo se expor emocionalmente e tolerar as consequências dessa exposição. Rapazes e garotas lidam de forma diferente. O grupo, sem saber como lidar melhor, opta por criar estereótipos. Como será que seu filho ou filha está nessa situação?


10. Estupro. Dentro da iniciação da vida sexual, entra esse tema. A partir do momento que você está conhecendo algo, você está se abrindo, avaliando o terreno. O quanto seu filho, na posição de explorador, se coloca em situações de vulnerabilidade? Até onde um pode confiar no outro? O quanto se pode confiar nos instintos quando se está embriagado? Inacreditavelmente, os adolescentes não têm ainda muita clareza sobre nenhum desses temas. Se atrapalham. Consenso não é um forte entre eles (exceto de que os pais nunca os entendem....)


11. No seriado a personagem que se suicida se coloca em muitas situações de vulnerabilidade. Ela mesma diz que sabe que não deveria, mas que tudo estava tão confuso que ela não conseguia fazer diferente. Sim, muitas vezes é isso mesmo que acontece. Adolescentes são impulsivos e, quando estão sofrendo, são extremamente vulneráveis às situações que prometam alguma recompensa de prazer imediato (festas, amigos, entrar em um grupo, bebidas, etc...). Lembre seu filho de que quanto mais inseguro/triste/chateado, mais vulnerável ele estará. Ele já percebeu isso? Como ele lida com isso? Quais são as estratégias que usa para se proteger? (De novo, não sugira as suas estratégias. Como pais, nós moramos em outro planeta. Na perspectiva deles, nada que funciona para a gente, funciona para eles).


12. Suicídio desperta curiosidade. Nesse ponto o seriado peca em abrir para cenas tão claras. Mas, sinceramente, se eles não assistirem nesse seriado, assistirão em outros lugares, então é melhor encarar e conversar sobre. Para iniciar a conversa é importante fazer uma distinção: ficar triste e pensar em morrer é totalmente diferente de planejar como se matar. Adolescentes têm medo se serão capazes de ser quem eles gostariam de ser na idade adulta. O maior temor deles é: será que eu darei conta? Eles ficam angustiados e, algumas vezes, sentem que prefeririam desaparecer ou morrer. Isso não é sinônimo de depressão ou ideação suicida. Com essa confusão toda sobre o tema, todos que já pensaram que prefeririam "dar um tempo", "desaparecer", "sumir" estão se perguntando: tenho risco de me matar? Abra caminho para que eles possam expressar suas angústias sem que você fique de cabelos em pé. Ao mesmo tempo, planejar morrer, pensar em morrer o tempo todo, perder o sentido de tudo, parar de sentir (a personagem descreve bem como, de repente, tudo ficou anestesiado e nada mais importava) são fatores de alerta. O que seu filho ou filha sente? Você sabe?


13. Por último: quem pode ajudar? O consultor da escola foi negligente. Ele ficou em uma posição burocrática, questionando o discurso da aluna: "foi ou não foi estupro", "você tem certeza que quer prestar queixa” e se esqueceu do mais importante: ela foi pedir ajuda. No seriado, a escola não conseguiu ajudar. Mas, se a personagem tivesse tido acesso a apoio, talvez ela tomasse outras atitudes.  Profissionais da saúde mental ajudam a abrir caminho para essas conversas. Ajudam a criar um terreno propício para a família se aproximar. A meta não se restringe apenas a desfechos imediatos (depressão ou não, estupro ou não, risco de suicídio ou não). A meta é criar um ambiente mais acolhedor, empático e propício para trocas. Na escola, em casa, nos grupos. Isso são medidas preventivas para o suicídio e outros desfechos trágicos.